Argentina recebeu investimentos públicos para instalar primeiro centro da América Latina
O Simpósio Internacional de Protonterapia – Radioterapia do Próximo Século, realizado pelo Centro de Oncologia Campinas, no último dia 27 de novembro, foi um marco nas discussões sobre protonterapia e deu luz a caminhos que poderão impactar positivamente na oferta no Brasil desta terapia capaz de mudar o tratamento do câncer dos brasileiros.
Físicos, engenheiros e oncologistas, com o respaldo de representantes do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e do Físico PhD Gustavo Santa Cruz, gerente da área de Aplicações em Saúde Nuclear do CNEA e um dos responsáveis pela criação do Centro Argentino de Próton Terapia (CeArP), discutiram no auditório do COC estratégias para que o Brasil possa acompanhar a evolução do tratamento oncológico e dispor, o mais breve possível, de seu primeiro centro.
Gustavo Santa Cruz deu números à carência da radioterapia por prótons no Brasil. Segundo ele, para atender às necessidades dos pacientes oncológicos brasileiros, o país precisaria de 80 salas de protonterapia.
A estimativa é que um centro de menor complexidade custe em torno de US$ 50 milhões e se pague em até 20 anos, em virtude dos gastos anuais de manutenção e pessoal que giram em torno de U$ 8 milhões. Por outro lado, um tratamento simples, que hoje custa perto de U$ 30 mil em centros na Europa, sairia pela metade do valor no Brasil, tendo por base os custos calculados pelo centro argentino de protonterapia.
As discussões também evidenciaram que, mesmo se houvesse um start imediato para o início da criação de um centro de protonterapia no Brasil – o que sequer há expectativa –, a população não seria beneficiada pelo tratamento antes de dois anos, período mínimo necessário à construção, treinamento de pessoal e desenvolvimento da estrutura envolvida.
Vantagens da protonterapia
Eficiente contra vários tipos de câncer, sobretudo os infantis, a protonterapia usa um feixe de prótons para destruir as células cancerígenas. Causa danos menores aos tecidos saudáveis em comparação à radioterapia convencional, chega a tumores de difícil acesso com mais eficiência e maiores doses de radiação e traz menos efeitos colaterais. A estimativa é que existam em todo mundo apenas 115 centros de protonterapia, um deles prestes a ser inaugurado na Argentina, o primeiro da América Latina.
O médico Fernando Medina, do Centro de Oncologia Campinas, destacou que atualmente, somente 1% dos pacientes submetidos à radioterapia tem acesso ao tratamento com prótons, quando na realidade mais de 20% deles poderiam ser diretamente beneficiados com o uso dessa tecnologia.
“Trata-se de uma técnica mundialmente utilizada, sobretudo por permitir o tratamento tumores com menos efeitos colaterais e por sua eficiência para inibir a ocorrência de tumores secundários em comparação aos sistemas tradicionais de radioterapia, como o acelerador de elétrons”, comparou.
Política de desenvolvimento
Foi consenso no debate a opinião de que a chegada da radioterapia de prótons aos Brasil depende, essencialmente, da criação de uma política de desenvolvimento ancorada pelo governo federal e apoiada pela iniciativa privada, como sugeriu o deputado federal Paulo Foletto, médico e paciente oncológico que teve de recorrer à protonterapia fora do Brasil.
A Comissão de Combate ao Câncer da Câmara, da qual Foletto faz parte, pretende se debruçar no tema da protonterapia em 2025 para concretizar a introdução do tratamento no Brasil, com foco na parceria entre o governo, financiador da estrutura, e iniciativa privada, mantenedora. Para um orçamento da saúde, R$ 300 milhões não é tanto. Acho que vamos conseguir
É uma luta também pessoal para Foletto, que neste ano usou o tratamento de prótons para uma recidiva de câncer de medula, descoberto em 2016. “Precisei da protonterapia porque ela é mais específica no alvo, é concentrada e pode usar quantidade maior de radiação. Não tinha outra solução. Foram 28 sessões, tive de ficar dois meses nos Estados Unidos. Eu posso isso, a maioria dos brasileiros não pode. Gastei U$ 83 mil só no pagamento no tratamento. Temos de tornar esse tratamento viável a todos os brasileiros que precisam”, afirmou.
“São 40 anos que o primeiro equipamento de protonterapia funcionou no mundo e o Ministério da Saúde ainda não tomou consciência que precisa discutir isso em conjunto com a iniciativa privada. O ministério compra o equipamento, mas a manutenção pode ficar a cargo da iniciativa privada. Precisamos sentar à mesa e discutir urgentemente essa pauta”, orienta.
Exemplo argentino
A Argentina percorreu um longo caminho até poder dar início à atual fase de testes da radioterapia por prótons. O projeto público, que começou em 2015, atravessou diferentes governos e fases que transitaram entre apoio e esquecimento.
Além destes desafios, outros se somam neste momento de implantação efetiva do sistema. “Agora que iniciamos os testes, o principal desafio será incorporar os profissionais que irão manejar os equipamentos e, para isso, precisamos enviá-los ao exterior para aprenderem. Criamos vínculos necessários com Espanha, Itália e Estados Unidos para a capacitação dos recursos humanos”, conta Santa Cruz.
A operação do Centro de Protonterapia da Argentina é custeada pelo estado e será administrada por meio de uma fundação, sem fins lucrativos. A comissão nacional de energia atômica e a Universidade de Buenos Aires aportarão o capital para iniciar as atividades da radioterapia standard. “A partir de 2025, esperamos que os custos comecem a ser financiados pela própria operação e iniciemos a operação máxima do centro”.
O custo operacional do serviço é “enorme”, como destaca Santa Cruz. São calculados U$ 8 milhões de dólares anuais para manutenção completa do centro, o que inclui pessoal, operação, investigação e pesquisas.
A Argentina, que em breve terá primeira unidade em funcionamento, com três salas, beneficiará os pacientes do Brasil com o barateamento do procedimento. O estudo de custos argentino aponta que o tratamento mais em conta, que em outros países sai por cerca de US$ 30 mil dólares, na Argentina custará US$ 15 mil.
CNEM
Chefe da Divisão de Instalações Médicas e de Pesquisa da Comissão da Comissão Nacional de Energia (CNEM), a física Camila Salatta confirmou, durante o Simpósio do COC, que o Brasil dispõe de capacidade técnico-operacional para ofertar a protonterapia e que os avanços da implantação dependem sobretudo de uma política pública. “Decisões políticas são essenciais neste momento”, reitera.
“O Brasil tem capacidade para isso. Tem tecnologia, centros formadores de pessoal, podemos ter um projeto mais simples, menos custoso. O que não pode é não termos o serviço”, avaliou durante sua palestra.
Camila confirmou que do ponto de vista do órgão regulador (CNEM), até hoje não foi recebido nenhum projeto concreto para um centro de protonterapia. “Tivemos apenas sondagens”, reafirma. Quanto às expectativas do prazo para instalação de um centro, a física esclarece que tudo depende do tamanho do projeto. “Se for compacto, sala única, consegue andar mais rápido, em um ano e meio talvez possa ser concretizado. Mas se for como o da Argentina, no mínimo três anos. A Argentina é um centro oncológico. Não é projeto de sala compacta, lá eles têm três salas.”
Do ponto de vista de regulamentação, a física afirmou que o CNEM tenta se antecipar à futura iniciativa do centro. “O CNEM ainda não está pronto para aplicar regulamentação e diretrizes, mas estamos em treinamento há algum tempo. A grande parte já está encaminhada. Contudo, serão necessárias algumas alterações. O arcabouço fiscal atual precisa ser modificado, mas são adaptações fáceis de ocorrer”, garante.